quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Manifesto às Organizações do Hip Hop Brasileiro.

Manifesto às Organizações do Hip Hop Brasileiro.
Por Hertz Dias “Libriano Loko”

"diante do quadro que se apresenta, com a total desmoralização do congresso nacional, do governo federal, dos PT e o aparelhamento institucional do Hip Hop Nacional, seria covardia de qualquer que seja a organização de Hip Hop deste Brasil em se furtar de opinar sobre o cenário político que se abre"
Manifesto as Organizações do Hip Hop Brasileiro

Pretendemos com este manifesto iniciar um debate com todos (as) que estão engajados nas mais diversas organizações de Hip Hop espalhadas pelo Brasil. Mesmos cientes de que somos parte de uma geração, majoritariamente, avessos aos debates políticos, não podemos, porém, perder o bonde da história. É preciso ter coragem e maturidade pra encarar os debates e apontar alternativas políticas para a juventude de periferia. Afinal de contas, o Hip Hop é hoje uma realidade política e cultural existente nas periferias brasileiras. E diante do quadro que se apresenta, com a total desmoralização do congresso nacional, do governo federal, dos PT e o aparelhamento institucional do Hip Hop Nacional, seria covardia de qualquer que seja a organização de Hip Hop deste Brasil em se furtar de opinar sobre o cenário político que se abre. Portanto, este manifesto não pretende esgotar o debate apenas provoca-lo.

Dos anos Oitenta ao Século Vinte e Um...

O inicio da década de 80 foi um marco histórico para as periferias brasileiras. Foi à década em que o Hip Hop, com todos os seus elementos, adentrou lares e mentes da juventude das nossas periferias. Em meio ao apodrecimento político das estruturas do regime militar, nascia o Hip Hop, como instrumento de resistência negra em pleno ascenso dos movimentos sociais do Brasil. Foi, também, à década do nascimento da CUT, do PT e do MST. Respectivamente, a maior central sindical, o maior partido de trabalhadores e o maior movimento social da América Latina. E não por acaso, nascia, ainda que de forma espontânea, um dos mais politizados movimentos Hip Hop do mundo, o brasileiro. Enquanto a Europa vivia uma conjuntura de refluxo político, desarticulação dos movimentos sociais de massa e institucionalização das esquerdas reformistas; o Brasil apontava pra ruptura política, com ação direta dos movimentos sociais. Basta lembrar que em 1989, o PT lançava a candidatura de Lula que, de conjunto, unificava as esquerdas brasileiras e os movimentos sociais com um programa anticapitalista, que se confrontava com os interesses do imperialismo euronorteamericano e encurralava os grandes capitalistas nacionais e internacionais. Muitos dos quais lançaram uma carta ameaçando se retirarem do Brasil caso Lula fosse eleito. Não dar pra negar! O Hip Hop sofreu, em maior ou menor grau, as influências políticas daquela conjuntura. No Brasil, nós estávamos pra a radicalização dos movimentos sociais (não confundir com ONG) da mesma forma como o Hip Hop norte-americano estava para a radicalização das organizações negras daquele país como os Panteras Negras e Nação do Islã ou mesmo da aproximação destes com as organizações comunistas daquele país. Contudo, há um diferencial qualitativo nesta comparação. O Hip Hop norte-americano já ganhava notoriedade entre os fins da década de 80 e inicio da década de 90. Enquanto no Brasil, estávamos apenas dando os primeiros passos políticos. De tal, forma que foi necessário para o grande capital estabelecer uma estratégia de desarticulação política e enfraquecimento da resistência negra engendrada pelo Hip Hop norte-americano. O Public Enemy, por exemplo, herdeiros dos Panteras Negras, tinham como propósito organizar dezenas de milhares de ativistas negros por toda a América. Tal como os Panteras Negras alguns grupos de Hip Hop norte-americano tinham clareza da necessidade dos oprimidos e explorados se organizarem e resistirem em âmbito internacional. Os clip´s do Public Enemy eram indigestivamente engolidos pela MTV. Outros grupos como o De La Soul, NWA, Ice-T, traduzia-se em uma faca de dois gumes para o mercado fonográfico imperialista. Portanto, era necessário absorvê-los, haja vista a necessidade de expansão do capital norte-americano diante da nova situação mundial advinda da queda do leste europeu, do fim da União Soviética e, portanto, fim da guerra fria e inicio da chamada era da globalização ou mundialização do capital. Qual seria então a tática a ser adotada? Diante deste dilema, as gravadoras multinacionais, a grande mídia e o governo norte-americano articularam o que Chuc-D, lider do Public Enemy, denominou de lobotomia do Hip Hop, ou seja, é como se tivessem arrancado parte do cérebro do Hip Hop norte-americano destruindo a memória histórica de um movimento de resistência negra e antiimperialista, nascido por dentro e diretamente contra o coração do maior império capitalista da história da humanidade. Neste sentido, a equipe médica da operação lobotomia receitou o gangstar rap, a ostentação, a quebra dos selos verdadeiramente alternativos, as drogas e as rivalidades entre regiões (Costa leste X Costa Oeste) etc. Era a exigência que o mercado fazia para mundializar o Hip Hop norte-americano e transformá-lo em mais uma cultura do capital. Para se ter uma idéia, hoje nos Estados Unidos existe grupos de rap que recebem milhões por cada vez que citarem o nome do MC Donald em suas músicas. Já no Brasil, um dos maiores mercados fonográficos do mundo, as grandes gravadoras, de inicio, não despertaram grande interesse pelo rap. Daí o surgimento de inúmeros selos “alternativos” por todo o país, especialmente, em São Paulo. O break, o Rap e o Grafite viviam no anonimato mercadológico, mas em contrapartida, ganhavam cada vez mais uma força política impressionante. Muitos grupos de rap que não chegavam a vender 10 mil cópias ficaram conhecidos nacionalmente. Era algo fenomenal e ao mesmo tempo incompreensível para aqueles que não conseguem pensar a cultura para além da lógica capitalista. Antes mesmo dos Racionais ganhar o prêmio da MTV em 1998, o grupo já era uma unanimidade entre os favelados do Brasil. Isso, mesmo nas regiões mais longínquas em que o povo nunca tinha ouvido falar MTV. Até a primeira metade dos anos 90 não tínhamos ainda força no mercado, apesar do crescimento, mas já exercíamos uma força política indiscutível no meio dos movimentos sociais e da juventude de periferia. Enquanto as esquerdas reformistas se institucionalizavam e aderiam ao receituário neoliberal (nas eleições 94 e 98 o programa do PT já não era mais o mesmo), os movimentos sociais enfraqueciam-se e as ONG´s entravam em cena pele disputa desesperados das migalhas do imperialismo e do governo; o Hip Hop por seu turno seguia firme e forte enfrentando e denunciando os mecanismos de repressão e censura, que mesmo com a dita “redemocratização”, permaneceram intactos nas periferias.
A derrota dos movimentos sociais e das esquerdas reformista para o grande capital, principalmente, durante os dois mandatos de FHC, não representou, necessariamente, um enfraquecimento ou refluxo político do Hip Hop nacional. Pelo contrário, o Hip Hop neste período, criou novos espaços de resistência política. Basta fazer uma visita ao baú e dar uma escutada na maioria dos grupos de rap da década de 90: Holocausto Urbano, Escolha seu Caminho e Raios-X Do Brasil; dos Racionais, Bem Vindos ao Inferno; Sistema Negro, Cada Vez Mais Preto; DMN, Dia a Dia da Periferia, Prepare-se, Da Trevas a Luz, GOG, São Paulo Está se Aramando, Comando DMC, Desligue Essa Porra; Desacato Verbal; Sub-raça, do Cambio Negra, só pra citar alguns. Era de fato a escola das ruas, onde se aprendia aquilo que os livros tentavam esconder da juventude favelada. Tudo isso por um fator bem simples: O Hip Hop não estava institucionalizado e ainda possuía uma relação conflituosa e desconfiada com o mercado fonográfico, não obstante a preocupação com a formação política empreendida por muitos H2O’s. No Norte e Nordeste, vários encontros foram realizados chegando a ponto de se iniciar a articulação de um selo autogestinário, envolvendo vários estados da região com o nome de Rima de Cima, para se contrapor à lógica do mercado fonográfico que, como prevíamos, poderia destruir grupos e movimentos. Pois, os primeiros cd de grupos de rap do Nordeste começavam a ser produzidos. Infelizmente, a proposta se diluiu no tempo e no aparato governista.
Toda essa relação, Hip Hop X Mercado e Hip Hop X Estado, deve ser considerada por que não estamos falando de relações impessoais. Por trás dos mercados, do Estado e dos grandes meios de comunicação encontram-se interesses de grupos sociais. E, esses interesses não são apenas mercadológicos, eles são também políticos e ideológicos. A relação do Hip Hop com o mercado é essencialmente política. Assim como a relação do Hip Hop com o Estado é essencialmente mercadológica. Política e mercado no capitalismo são faces de uma mesma moeda. A expansão do mercado capitalista depende de atitudes políticas (daí por que o neoliberalismo ser a filosofia da mundialização do capital).
Armaram a “casinha” e muitos entraram.
No Brasil, o único setor social que o governo não conseguia controlar definitivamente eram os favelados. Não por ser um setor mais consciente e organizado, mas devido à ausência de uma burocracia bem articulada que pudesse manter o controle político permanente dos favelados. Diferente dos trabalhadores formais, os favelados, em sua grande maioria desempregados, não possuem representantes burocráticos legais. E, a principal voz não-institucionalizada dos favelados (é) ra o Hip Hop. A Grande mídia tentou de todas as formas forjar ícones como Gabriel Pensador para o público do Hip Hop, mas não colou! Os favelados responderam com a projeção dos Racionais, GOG, Facção Central, Consciência Humana e muitos outros. Era desconcertante para a Globo ouvi os Racionais dizerem que não iriam cantar em emissora que apoiou a ditadura militar no Brasil. Seria, portanto, necessário forjar lideranças pelo telhado para tentar legitimar o controle dos favelados, principalmente no governo Lula, já que FHC foi uma figura excomungada e odiada pelo Hip Hop brasileiro.
Neste Sentido, nem governo, nem grande mídia e grandes gravadoras controlava-nos. Portanto, não controlavam a voz mais importante da periferia. Foi aí que juntaram esses três pilares, construíram a “casinha” e chamaram o Hip Hop para dentro. Os que se recusaram em entrar eram simplesmente ridicularizados. Não queriam ver a evolução do nosso movimento. Percebam que a entrada de vez do Hip Hop na grande mídia, grandes gravadoras e no governo Lula acontecem quase que simultaneamente. Ora, como já dissemos: no capitalismo, mercado e política não se separam. Alegar que o Hip Hop precisa expandir-se é mentira. A não ser que seja uma expansão vertical, para cima, para os playboy´s. Aí sim uma expansão mercadológica, pois de fato, os favelados não tem consumido cd´s “originais” devido o seu encarecimento. Dizer que o Hip Hop precisa sair do gueto é outra mentira. Nós fazemos cultura para a maioria, para a periferia, com preços acessíveis, e se os boys não vem é problema deles. Agora, show´s com ingresso a preços absurdo é querer sim transformar o Hip Hop em uma cultura de guetos brancos. Outros alegam que falta estrutura, e que isso requer gastos para dar mais qualidade aos eventos de Hip Hop. Recentemente assistimos o DVD do show do 50 Centavos com o Eminem e outros. O que se ver de fato é muita estrutura e pouca criatividade. Racionais e GOG, por exemplo, são incomparavelmente mais criativos. A era dos mega-espetáculos, faz parte faz parte da era da exclusão generalizada ou estrutural. Os grandes espetáculos, como o Hip Hop Manifesta, que em um outro documento denominamos de “Show do Milhão”, cujos ingressos variavam entre 70 e 200 reais, tem dois objetivos básicos: a acumulação de capital nas mãos de alguns mercenários da cultura negra e a exclusão da juventude negra de seu próprio nicho cultural. Mais do que nunca devemos fortalecer as atividades de bairros, as posses, stúdios e bailes comunitários, as rodas de break em praças, os ensaios coletivos com vários grupos de Hip Hop, organizar festivais sem premiações de melhores disto ou daquilo, mas como espaço de confraternização e solidariedade, selos autogestinários, etc. Na era dos megaespetacúlos das multinacionais faz-se necessário criar focos de resistências político-culturais como contraponto sócio-racial da juventude de periferia contra a dominação do grande capital. É preciso acreditar que são dos pequenos focos de resistências que surgem as grandes transformações.

Selos Independentes ou Produção Terceirizada?
Outra situação delicada são as dos ditos selos independentes. Diante da crise do mercado fonográfico, principalmente, em função da chamada “pirataria”, as grandes gravadoras redefiniram a forma de produzir. A grande maioria destas gravadoras não investe quase nada para produzir aquilo que eles mesmos chamam de “novos talentos”. Na nova divisão social do trabalho, isso fica por conta dos pequenos selos “independentes”. Em alguns casos, as grandes apenas compram o produto final dos selos ou artistas “independentes” que já gastaram com pesquisas, produção, gravação, projeto gráfico, fotos, mixagem, masterização, etc. Ou mesmo depois que os cd´s de alguns grupos já foram lançados e demonstraram viabilidade mercadológica. Dito de outra maneira, não existe qualquer capital de risco, ou mesmo contratos prolongados, investido por parte das grandes gravadoras. Basta contratar um bom “olheiro” (analista de mercado) e ponto final. É o que podemos chamar de terceirização da produção hiphopiana. São os chamados selos “alternativos” contribuindo par amenizar a crise das grandes gravadoras e distribuidoras. Lembrando, que terceirização é parte da política do neoliberal que visa reduzir o efetivo de trabalhadores empregados. Diante disto deixamos algumas perguntas no ar: Será mesmo que existe alguma contrapartida para o Hip Hop nessa relação com as grandes gravadoras? Ou será que estamos mais uma vez sendo expropriados pelos ricos? Quem vai indenizar os favelados pelos oito anos de construção, a duras penas, de grupos como o RZO e outros? Quanto foi que estas gravadoras investiram para formar estes grandes talentos da periferia?
Diferenciando crise do mercado e crise política do Hip Hop.
Importante salientar que os constantes zigue-zaques do mercado fonográfico não significa necessariamente crise ou ascensão do Hip Hop. Desde o inicio da década de 90, o Hip Hop enquanto movimento, sempre esteve em escala crescente. O Break ressurgiu, o grafite ganhou notoriedade, o rap é cada vez mais cantado e escutado pela juventude negra e pobre. Portanto, as diversas crises do mercado não podem ser qualificadas como crise do Hip Hop, pois não existe modo de produção hiphopiano, o que existe, de fato, é um modo de produção capitalista, portanto a crise é do capitalismo e dos capitalistas (empresários de lojas, selos, gravadoras, distribuidoras etc.) e não do Hip Hop enquanto movimento. Para analisar os zigue-zaques do mercado capitalista, seja qual for o produto, deve-se considerar a relação entre oferta e procura. Já os parâmetros para a analise do Hip Hop, enquanto movimento político-cultural, deve ser o seu crescimento e influência política que exerce sobre a periferia, onde se encontra os seus autores, atores e adeptos. Dito isto, podemos afirmar que na atualidade, apesar das constantes aparições nos grandes meios de comunicação, dos contratos com as médias e grandes gravadoras; e, por outro lado, aproximação e legitimação do governo Lula; o Hip Hop, enquanto movimento político-cultural, está prestes a entrar em uma profunda crise sem precedente em sua história. Da mesma forma como a expansão mercadológica do Hip Hop norte-americano não veio acompanhado de um crescimento e fortalecimento político. Pelo contrário, é a queda do nível de vida dos negros e latinos daquele país que, talvez, faça renascer uma nova radicalização do Hip Hop dentro do coração do imperialismo. Fica no ar outra pergunta: será mesmo que o povo que defende a institucionalização e a mercantilização desenfreada do Hip Hop, como aconteceu nos Estados Unidos, está mesmo defendendo interesses coletivos ou suas necessidades pessoais combinados com os interesses de grandes empresários de Hip Hop e do governo neoliberal e corrupto do PT?
A Rede Globo, por exemplo, que hoje tenta mercantilizar e despolitizar o Hip Hop, é a mesma que outrora tanto nos combateu e nos caluniou. Receio que daqui a alguns anos, não sejam, mas os favelados que escolherão suas liderança, mas sim a toda poderosa Rede Bobos. São poucos os grupos que continuam falando da importância das rádios comunitárias. A Jovem Panelinha é que está tentando ditar quem são os melhores do rap nacional e internacional (certamente os que são das grandes gravadoras e que pagam jabás.). E bom ressaltar, que são nas rádios comunitárias que estão à maioria dos locutores negros. Exaltar a grande mídia, em detrimento do papel étnico-cultural das rádios comunitárias, tão perseguidas pela ABRA E ABERT, é assumir a ideologia do embraquecimento e da seletividade cultural imposta pelo grande capital.
O governo, também, é quem está dizendo quais são as organizações de Hip Hop que tem representatividade. Isso ficou bem claro quando da formação da Frente Nacional de Hip Hop e do MOHHOB. Ambos querendo o reconhecimento por parte do governo e do ministério da cultura. Em outras palavras, as representatividades das organizações da juventude de periferia não serão mais obtidas em virtude do reconhecimento de suas bases sociais, mas sim, de acordo com os interesses políticos do governo. Algo similar ao controle político exercido por Vargas em relação aos sindicatos pelegos durante o Estado Novo. E não por coincidência, é esse o objetivo do governo com a (contra) reforma sindical. Controlar os sindicatos e, por tabela, os movimentos sociais.
O Hip Hop, até então, tem sido um dos movimentos culturais mais democráticos da história do Brasil e talvez do mundo pós-guerra fria. Isso por ser um movimento gestados nas ruas, praças, bailes, rádios comunitárias, selos independentes etc., mas, o processo de lobotomia começa a ameaçar a democracia hiphopiana. Será mesmo que artistas históricos com o GOG, que sempre denunciou a Rede Globo “Faustão televisão também é droga/ ação senão revolução acaba em moda” serão mesmo ovacionados e reconhecidos por essa emissora da mesma forma como são pela juventude negra e pobre?
Na virada do século e...
Veio à virada de século e com ele uma virada estratégica, ainda que parcial, do Hip Hop nacional. Antes mesmo do PT ganhar a presidência, esse partido já havia conquistado varias prefeituras e governo de estados de importância estratégica para o Brasil; como São Paulo, Belém, Fortaleza, DF, RS; entre outros. E no embalo várias organizações de Hip Hop começaram a atrelar-se. Alguns militantes históricos do Hip Hop, percebendo as grandes possibilidades da vitória de Lula nas ultimas eleições presidências, trataram logo de se aproximar do PT (inclusive aqueles que diziam ser contra partidos), modificaram ou criaram novos estatutos, transformaram seus movimentos em ONG´s e mudaram radicalmente o conteúdo dos seus discursos. O socialismo, outrora muito enfatizado pelas principais organizações de Hip Hop do Nordeste, foi sendo substituído pelo discurso de cidadania e inclusão social. Mesmo sabendo estes senhores, que acreditar em cidadania e inclusão social no capitalismo é o mesmo que acreditar na existência de Cuca, saci pererê e mula-sem –cabeça (sic!). Contudo, o desastre maior mesmo viria com as eleições de Lula pra presidente da república em 2002. Foi simplesmente catastrófico. Enquanto algumas organizações perdiam militantes numa corrida desesperada pelo aparato governista, outras foram de malas e cuias nas mãos, apoiar àcriticamente a candidatura Lula/Zé de Alencar (PT/PL). As justificativas para isso foram do mais cínico censo comum. Muitos defendiam que “Lula era pobre, ex-operário e tinha uma história de luta em favor dos trabalhadores e excluídos deste país”. Mesmo sabendo estes, que em política não é a origem de classe, apenas, que deve ser levada em consideração, mas, principalmente, as alianças políticas-sociais em torno das candidaturas e o programa político em defesa ( no caso Lula/Zé de Alencar, essencialmente pró-imperialista e sem qualquer perspectiva de ruptura). Para esses ilustres camaradas do Hip Hop e demais movimentos sociais, não basta apenas falar em decepção, mas deveriam, acima de tudo, fazer autocrítica e pedi desculpas públicas pelas irresponsabilidades políticas de três anos atrás. Pois, o Hip Hop, que como disse Mano Brown “deveria ser de extrema esquerda”, não pode está atrelado a um governo corrupto, que até então só têm dado alegrias para os ricos e recebido constantes elogios do governo Bush. Enquanto os ricos fazem a festa, especialmente os banqueiros, a favela dança na violência, no desemprego, na falta de moradia e educação de qualidade etc. Não é apenas o mensalão pra compra de parlamentar corrupto que deve ser denunciado e combatido, mas, principalmente, o mensalão que este governo, assim com os seus antecessores, pagam religiosamente para o FMI, ou seja, a nossa eterna divida externa, que foi contraída pelos ricos e é paga pelos trabalhadores e desempregados deste país. Não dar pra isentar a figura de Lula. Ele sabia de tudo, ele conhece esse povinho do congresso, tanto é que está oferecendo ministérios para o PMDB, para tentar abafar a crise. É um governo corrupto que tenta “combater” corrupção com mais corrupção. Lula sabe, que assim como o PT, o PMDB e todos os demais partidos de sua base ou da oposição burguesa são corruptos. Sabe que o Roberto Jéferson é um corrupto que fez parte do governo corrupto de Collor de Melo. Sabe também que Sarney e Severino Cavalcante são ladrões engravatados. Felizmente, existem vários hip hop´s neste país, pois nem todos se sentem representados naquele boné que parte das lideranças do Hip Hop nacional deram de presente para Lula ou na fictícia Secretaria Nacional da Juventude. Hip Hop militante não combina com corrupção e entreguismo das riquezas nacionais para o imperialismo; e que agora prepara a entrega da Base de Alcântara e a Petrobrás para os Estados Unidos e a implantação da ALCA, tudo isso, sem contar, o papel sub-imperialista que este governo está desempenhando na América Latina com a ocupação do Haiti, para reprimir a resistência negra daquele país.
Esse é o quadro: Crise e desmoralização do governo, Hip Hop institucionalizado e a periferia na orfandade política. Projetinhos assistencialistas como oficinas de Hip Hop não resolvem o problema. Ninguém precisa disso pra fazer Hip Hop de verdade. O Hip Hop nasceu nas ruas e é nele que deve permanecer. O que se esconde por trás desses projetinhos “faz de conta” são rios de dinheiro (as ONG´s brasileiras movimentam mais de 17 bilhões de reais por ano) e o controle político da indignação da juventude de periferia. Caso contrário, por os favelados das oficinas de Hip Hop não estão nas ruas denunciando o governo do mensalão? “A divida é um passo pra a escravidão”, já alertava Malcolm X.
Precisamos mais do que nunca pensar na classe e na raça. Se não botarmos o nosso povo em primeiro plano, como questão de principio, estaremos praticando um suicídio político coletivo. Onde está à melhoria da classe e da raça no governo Lula? Onde está o Hip Hop e onde ele deveria está nessas horas? Qual será o primeiro H2O governista a romper? Aqueles que vivem do aparato do governo? Certamente que não! Certamente que não querer pular do barco com tanta facilidade. Falam em nome da periferia, mas são seus interesses individuais que estão defendendo. A base independente dos movimentos sociais está rompendo com o governo, com a CUT, com a UNE e com o PT e construindo novos organismo populares como a CONLUTAS e a CONLUTE. Mas aqueles que viviam do assistencialismo e das migalhas que cai da mesa do governo e do imperialismo, os militantes gigolô de crise; não temos a mínima ilusão que vão romper. Está mais fácil Jesus voltar pra terra do que estes romperem com o governo e voltarem para suas bases sociais. Diante disto estamos propondo a construção de uma nacional de Hip Hop autônoma, independente e revolucionária que seja construída com base em um programa mínimo anticapitalista, e que estabeleça alianças com os movimentos sociais não-governistas. Toda a América Latina espera uma resposta política do Brasil, e nós do Hip Hop Nacional temos que fazer a nossa parte e assumir esse compromisso histórico.

Hertz é militante do Quilombo Urbano-MA e vocalista do grupo de rap Gíria Vermelha.

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